(Alcobaça) Até ao Apocalipse

Impenitente, caminhei pela nave central. Detive-me no seio do transepto onde, penitente, me redimiu o Sol. Poente, alvejou-me um raio contínuo entre os olhos e, cegando-me momentaneamente, fez-me doer de pontada o coração. Franzi e pestanejei até dissipar, dentro do aceitável, o clarão que se me tatuara compulsivo nas retinas. Recuperando a vista, perscrutei em redor, ao alto a abóbada, rosáceas, vãos, frestas e janelões. Não entendi como houvesse sido geometricamente possível, sequer, qualquer feixe de ocaso me atingir. Ao desistir de procurar respostas, decifrei. Como sempre acontece, por se reaver o espaço ocupado pelos pensamentos. Parara precisamente no lugar proibido de o fazer. Estava na linha de reencontro dos olhares de Pedro e Inês. Felizmente, o apocalíptico Juízo Final não estivera marcado para aquele instante. Desviei-me com o passo que faltara dar. Tumular, contemplei-os aos dois, encarnados em seus sarcófagos, dormitando o evo sono da morte, em banho onírico.

Inês. Respirando branda. Tão ténue que de uma inspiração à expiração, e de uma expiração à inspiração, consome anos. De algum modo consegui entrevê-lo, a despeito da minha mortal brevidade. Está serena. Consciente num misto de sono profundo e lúcido. Os anjos, dos que lhe amparam a cabeça, de cada lado, aos pés, embalam-na em uníssono, gerando uma ondulação, catatonia de analgesia. Anuíram, transmitindo-me a etérea frisagem. Verti, por infusão, reverente.

Foi Pedro quem me alienou. Circundei-lhe o sepulcro, que circunfluiu à minha passagem. Os anjos apaniguadores, agitaram-se, impondo mãos sobre o monarca. O possante mastim a seus pés rosnou, resfolegou, voltando a sentar os queixais, sonâmbulo. O Bom Cruel dorme leve, cônscio do entorno, até à fimbria do Universo, iriado pelo íntimo, agastado com o que viveu, ansioso do que roga viver. Aproximei-me do seu rosto dormente. Os dois anjos, mantendo as mãos sobre o seu amo, abriram-me alas. Pedro sonha, ininterruptamente. Por ele perpassam os sonhos de todos os homens morridos e viventes. Atrevi-me, mais que isso, arrisquei. Segredei-lhe de Inês, que está pronta, preclara, aguardando-o, amável. Divulguei, encontrar-se-ão no colo da Respiração, que se deixasse reconhecer unido a Ela, suavemente. Vieram-se-lhe lágrimas de calcário, ao corpo logrado. Verti, por osmose, empaticamente. Os anjos cerziram o intervalo aberto.

Transfigurado, abalei contornando os túmulos, de maneira a não cruzar a linha onde os fitos, amantes, se reencontrarão em glória. Está quase. Em verdade, já está.


(Acorda, Pedro, Respirando..., Jehoel)

 

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(Corval) Horizonte Crescente

Estrada M514. Esbatida pelo crepúsculo alvacento, deveras alentejano, a recta estende-se intérmina. A coisa começa a acontecer. Há poucas sensações tão maravilhosas como o Horizonte crescendo à nossa frente. Falei na primeira pessoa do plural, eu sei. Não que me queira apropriar de ti ou dos teus sentires. Quererei unicamente, e num instante de assumido apego, remexer o teu Lume.

(Estrada M514, Jehoel)

 

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(Discernimento) Alma ou identidade?

O Repórter não tem uma identidade porque o Repórter é uma Alma. Quanto mais identidade procurares, menos Alma te restará. Guarda, se quiseres. E, fique assente, não foi um conselho, apenas uma observação, espontânea como quando se pensa em voz alta.


(Entidade, Jehoel) 

 

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(Furnas) Do Parque Agárico

Terra Nostra. Este Parque vive, é um organismo pulsátil, uma Entidade. Dos Fumos que os poros agáricos da Existência sopram, Ele toma-te. Contrais, detonas e expandes, ilimitadamente… Este Parque é uma mina, de Ouro Alquímico…

(O Caminho Agárico, Jehoel)

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(Discernimento) Viagem Interior

 De que serve a viagem se não for interior?

(De Dentro para Fora, de Fora para Dentro, Jehoel - Pedra Amarela, Sintra)

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(Costa de Sintra) Fiel Amigo

Uma tela ímpar pinta-se, de moto próprio, no vidro do lado do condutor. A beleza não se contém. Eis o magnânimo ocaso solar estampado neste bólide artístico que, fiel amigo, me conduz a toda a foz em que desaguamos.

(Fiel Amigo, Jehoel - Costa de Sintra)

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(Discernimento) Viajar

Talvez, agora aprendam as pessoas a viajar. Talvez, entendam que a viagem só é Viagem se sob a égide da Alma, numa demanda espiritual. Talvez.

(Talvez, viajar...)

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(Arraiolos) No Castelo Circular, o Silencioso Braseiro de Memórias

O Calor Alentejano não se descreve, experiencia-se. Mas isso é para quem está apto. Arraiolos dos tapetes coroa na sua colina mais perfeita um Castelo elíptico, tal como se pensa a trajectória da Terra ao redor do Sol. No que resta do Paço onde Nuno se sentou para meditar sobre a arriscada relação entre vida e morte, moram hoje os pombos. E nesta região onde o Horizonte é mais longilíneo do que em qualquer outra, até os cães são lânguidos…

(A Criatura Elipsóide, Jehoel)

(...) Ainda muito quente, mas já possível de circular, faço pelo meu próprio pé o caminho que há pouco só pude fazer protegido pelo carro. Sempre de olhos postos na encosta que se eleva sobre mim suave como um seio maduro, sobre a qual assenta em halo a muralha que vou apreendendo assim de diferentes perspectivas, precisamente como se deve fazer a um peito no leito da Amor. Sou o Peregrino em celebração ao Espírito do Lugar. (...)

(Unhais da Serra) Uma Vila no Bardo

Entrei como saí, em silêncio, tão despovoado de sensações como a Vila de emoções. Anódina, parece estar perdida algures entre o reconhecimento de que terá morrido e a falta de vontade de voltar a encarnar. Unhais da Serra, o fantasma da “Pérola da Beira”, uma vila esquecida de que um dia existiu e incapaz de perceber que já morreu.

(Rumo ao Terroeiro, Jehoel)

(...) Estou no derradeiro sopé da possante elevação que se acredita corresponder aos Montes Hermíneos segundo os tratadistas do Império Romano. Os Montes de “Hermes", o deus mensageiro também conhecido por Mercúrio e associado aos pastores, terão sido o berço de Viriato, o guerreiro lusitano de quem pouco se sabe mas muito se conta. Algures por entre este jogo natural de lombas e concavidades traçado sob a rispidez da pedra, quem sabe até mesmo neste preciso lugar, esse homem carismático comandou um punhado de guerreiros numa eficiente guerra de guerrilha contra os romanos e que só acabou com traição porque a cobiça humana sempre tem sido confundida com Glória. (...)